RESUMO: A interseção entre economia comportamental e mercados digitais é crucial para compreender o comportamento do consumidor online. Os princípios da economia comportamental são aplicados no ambiente digital através de estratégias como nudges digitais, que influenciam decisões de compra e interações online. No entanto, é essencial considerar os desafios éticos e potenciais consequências negativas, como desigualdades entre consumidores e possíveis interferências prejudiciais. Portanto, é necessário estabelecer critérios rigorosos para a implementação dessas estratégias. Em resumo, a economia comportamental oferece uma base teórica fundamental para compreender o comportamento do consumidor no mercado digital, destacando a importância de garantir transparência e benefícios genuínos para a sociedade.
Sumário: Introdução. 1. Desafios e Perspectivas na Regulação dos Mercados Digitais: Manipulação Comportamental e Concentração de Poder. 2. Regulação e Concorrência nos mercados digitais. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
As preocupações associadas à manipulação das decisões econômicas do consumidor nos mercados digitais incluem a propensão desses mercados em empregar estratégias sofisticadas que exploram assimetrias significativas de informações. Essas estratégias envolvem a manipulação das decisões econômicas dos consumidores por meio de técnicas como “phishing”, “empurrões para o mal” ou “padrões obscuros” ou “Nudges”. Essas práticas manipulativas podem distorcer mercados significativos, como plataformas digitais, influenciando o comportamento do consumidor de maneiras que podem ser anticoncorrenciais e prejudiciais aos mercados.
1. Desafios e Perspectivas na Regulação dos Mercados Digitais: Manipulação Comportamental e Concentração de Poder.
Práticas manipulativas nos mercados digitais têm levantado preocupações significativas devido ao seu potencial para distorcer o comportamento do consumidor e a dinâmica do mercado. A economia digital, particularmente dentro das plataformas, é suscetível a estratégias sofisticadas que exploram as pronunciadas assimetrias de informação presentes nesses ambientes. Essas estratégias podem incluir “phishing”, “empurrões para o mal” ou “padrões obscuros” ou “Nudges”, que são projetados para influenciar as decisões econômicas do consumidor de maneiras que podem não estar alinhadas com seus melhores interesses.
A prevalência da manipulação comportamental nos mercados digitais não se limita a uma única região ou país. No Brasil, por exemplo, há aproximadamente 180 milhões de usuários de internet, com uma presença diária média em plataformas digitais de cerca de 3 horas e 40 minutos por pessoa. Esse alto nível de engajamento fornece um terreno fértil para os principais players do mercado, frequentemente chamados de “big techs“, potencialmente alavancarem a economia comportamental para concentrar poder e tráfego em poucos canais controlados, como observado no cenário de mercado atual.
Richard Thaler, renomado economista comportamental, introduziu o conceito de “arquiteturas de escolha” para descrever como os ambientes podem ser projetados para influenciar as decisões das pessoas de maneira previsível. Essas arquiteturas podem ser aplicadas aos mercados digitais, onde elementos como a apresentação de opções, a ordem das informações e o design das interfaces podem influenciar significativamente o comportamento do consumidor. Ao considerar as estratégias manipulativas nos mercados digitais, é essencial analisar como essas arquiteturas são utilizadas para moldar as decisões dos usuários. A compreensão desses mecanismos pode ajudar na formulação de políticas regulatórias que promovam escolhas mais conscientes e protejam os consumidores contra práticas enganosas ou anticompetitivas. Portanto, a integração das contribuições de Thaler sobre arquiteturas de escolha com a discussão sobre manipulação comportamental nos mercados digitais enriquece a compreensão dos desafios e oportunidades associados à regulação desses ambientes.[1]
A introdução da economia comportamental nas discussões regulatórias tem sido vista como uma espada de dois gumes. Embora inicialmente abraçada por seu potencial para melhorar o bem-estar subjetivo por meio do design de “empurrões”, houve um reconhecimento crescente da possibilidade de que a extensa lista de heurísticas e vieses identificados pela economia comportamental possa ser explorada para favorecer alguns poucos, levando a sérios desequilíbrios de mercado. Essa realização destaca a importância de uma perspectiva crítica sobre o uso de ferramentas comportamentais nos mercados digitais, não apenas no Brasil, mas globalmente, para garantir que as intervenções nesses mercados sejam bem-informadas e considerem o potencial de resultados anticompetitivos e prejudiciais.
A introdução do debate global sobre a concentração de poder de mercado na economia digital teve um impacto significativo na discussão no Brasil. Isso trouxe à tona preocupações sobre a dominação de algumas grandes empresas de tecnologia e os potenciais efeitos anticompetitivos que essa concentração pode ter nos mercados digitais. Autoridades brasileiras, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), começaram a explorar essas questões, ecoando as preocupações destacadas em relatórios temáticos do Stigler Center na Universidade de Chicago. Isso levou a uma convergência de conclusões com numerosos outros estudos publicados mundialmente por autoridades de concorrência e direitos do consumidor, indicando um consenso global sobre os desafios colocados pela concentração de mercado na economia digital. O debate brasileiro tem sido enriquecido por essas perspectivas internacionais, que fornecem um contexto mais amplo para entender as implicações da concentração de poder de mercado e para formular respostas regulatórias apropriadas.
A crescente interação entre a economia comportamental e os mercados digitais levanta questões cruciais sobre a ética e a responsabilidade das empresas no ambiente online. A utilização de técnicas de manipulação comportamental para influenciar as escolhas dos consumidores pode resultar em consequências prejudiciais, como a ampliação das desigualdades sociais e o enfraquecimento da concorrência no mercado. Diante desse cenário, torna-se imperativo que governos, organizações regulatórias e empresas adotem uma abordagem proativa para garantir a transparência, a equidade e a proteção dos direitos dos consumidores no ambiente digital.
Um exemplo concreto que ilustra as preocupações éticas e de responsabilidade das empresas nos mercados digitais é o uso de algoritmos de recomendação em plataformas de streaming de vídeo. Esses algoritmos são projetados para analisar o comportamento passado do usuário e sugerir conteúdo que supostamente seja do seu interesse. No entanto, esses algoritmos também podem criar bolhas de filtro, limitando a diversidade de perspectivas apresentadas aos usuários e reforçando seus interesses existentes, o que pode contribuir para a polarização e o isolamento social.
Outro exemplo relevante é a prática de “dark patterns” em websites de comércio eletrônico, onde técnicas de design são utilizadas para induzir os consumidores a tomarem decisões que beneficiam a empresa, mas que podem não ser do melhor interesse do consumidor. Por exemplo, a criação de pop-ups enganosos, a manipulação da apresentação de preços e a dificuldade de cancelamento de assinaturas são estratégias comuns que podem prejudicar a experiência do consumidor e minar a confiança no ambiente digital.
Esses exemplos destacam a importância de regulamentações que promovam a transparência e a equidade nos mercados digitais, bem como a necessidade de empresas assumirem a responsabilidade pela forma como projetam e operam seus sistemas para evitar práticas manipulativas e promover o bem-estar dos consumidores.
Leis e regulamentações, como as de proteção de dados, antitruste, direitos do consumidor e direito do consumidor digital, desempenham um papel fundamental na promoção desses princípios nos mercados digitais. Essas regulamentações visam garantir que as empresas operem de maneira ética, transparente e responsável, fornecendo aos consumidores informações claras, promovendo a concorrência justa e protegendo seus direitos. No entanto, a eficácia dessas regulamentações depende da implementação e fiscalização adequadas por parte das autoridades competentes, ressaltando a importância de um esforço conjunto entre governos, organizações regulatórias e empresas para garantir um ambiente digital seguro para todos os usuários.
Além disso, a colaboração internacional e a troca de melhores práticas entre países podem desempenhar um papel fundamental na elaboração de políticas regulatórias eficazes para os mercados digitais. A discussão sobre a concentração de poder de mercado na economia digital não é apenas uma preocupação nacional, mas uma questão global que requer cooperação e coordenação entre diferentes jurisdições.
2. Regulação e Concorrência nos mercados digitais.
Há duas importantes propostas legislativas relacionadas aos mercados digitais: o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como Lei das Fake News, do Brasil, e o Digital Markets Act, aprovado pelo Parlamento Europeu. A Lei das Fake News brasileira visa regulamentar a disseminação de informações falsas nas plataformas digitais, introduzindo medidas para combater a desinformação e proteger a integridade do ambiente online. Por outro lado, o Digital Markets Act europeu busca estabelecer um código de conduta para grandes empresas de tecnologia, com o objetivo de promover a concorrência justa e garantir a proteção dos consumidores no ambiente digital. Ambas as propostas enfrentam o desafio de equilibrar a liberdade de expressão com a necessidade de coibir práticas prejudiciais, enquanto procuram manter um ambiente online seguro e transparente para os usuários.
Embora não haja um consenso absoluto sobre o conceito de plataformas digitais, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) as define como “um serviço digital que facilita as interações entre dois ou mais conjuntos distintos e interdependentes de usuários (empresas ou indivíduos) que interagem através da via Internet”. Frank e Peitz, em um relatório para o CERRE – Centro de Regulação Europeu (2019), também destacaram o conceito de plataformas como redes de mercado derivadas do crescimento sistemático das atividades econômicas online, gerenciando estratégias de rede com ferramentas de preço e não-preço. Essas plataformas têm precedentes anteriores ao advento do mundo digital, como shoppings centers, feiras e mercados de pulgas, mas seu atrativo para investidores e empreendedores reside em seu efeito escalável, conforme observado por Cremer, Montjoye e Schwitzer.
Essas plataformas estão intrinsecamente ligadas aos efeitos de rede, conforme relatado por agências reguladoras europeias. Em essência, o valor de um produto é influenciado não apenas pelo mercado, custo e margem de lucro, mas também pela necessidade percebida de seu uso ou consumo, gerando um efeito de rede entre os usuários. Esse fenômeno é um catalisador crucial nos mercados digitais, especialmente nas plataformas. Os efeitos de rede podem se manifestar de forma direta ou indireta, potencializando a interação e o crescimento desses mercados digitais.
Segundo Frank e Peitz[2], o conceito de redes de interação no âmbito dos mercados digitais foi inicialmente abordado na União Europeia em 2013, mais especificamente na Alemanha. Nesse sentido, as plataformas seriam, em última análise, um conjunto de redes de interação, combinadas. Petit e Teece[3] apresentam em seu relatório o conceito mais abrangente de ecossistemas digitais. Esses seriam diversas plataformas, interagindo entre si e também com outros complementos da economia digital, indicando que todos estes atores não fazem parte de uma indústria única. São mercados com fronteiras e funcionamento fluidos, ou seja, dinâmicos, e consequentemente, com legislação ainda em construção. É importante ressaltar o caráter dominante das plataformas nesse contexto de ecossistema, compondo as estratégias de marketing e vendas juntamente com os demais atores em segundo plano.
Em resumo, avaliando os estudos recentes sobre os termos e a evolução dos mercados digitais, constituídos por seus ecossistemas, plataformas que interagem entre si e com outros atores por meio de redes direta ou indiretamente, pode-se concluir que as políticas de regulação deste tipo de arranjo econômico devem visar em grande parte o bem-estar do consumidor final. Em adição, é importante ressaltar a diferença entre os conceitos de internet e plataformas digitais, sendo a internet a base para a operação das plataformas digitais, sendo necessário a análise também dos projetos de regulação em mercados digitais aplicáveis às plataformas digitais somente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível observar no momento atual que, tanto o Projeto de Lei nº 2630/2020 quanto o Digital Markets Act baseiam-se na regulação ex ante dos mercados digitais, visando influenciar as condutas das empresas para promover um ambiente concorrencial mais equilibrado nesses mercados. Ambas as propostas abordam questões relacionadas à transparência e responsabilidade, mas o Digital Markets Act busca mitigar o poder de mercado dos gatekeepers, incentivar a entrada de novos players e promover a concorrência, enquanto o Projeto de Lei brasileiro concentra-se mais no controle da disseminação de informações falsas. Uma lacuna notável é que o Projeto de Lei não aborda diretamente as variáveis-chave para a regulação econômica, como entrada, saída, preços e quantidade. Portanto, ainda não existe uma proposta abrangente de regulação dos mercados digitais no Brasil, deixando espaço para futuras ações do Poder Executivo e Legislativo nesse sentido. O debate sobre regulação nos mercados digitais está crescendo, mas até o momento a principal ferramenta de controle ainda é a política de defesa da concorrência, com foco no controle ex post. Este estudo ressalta a necessidade de avanços regulatórios para garantir um ambiente concorrencial equilibrado no cenário digital brasileiro e mundial. Com esta colocação, verifica-se que é fundamental considerar o papel da economia comportamental e dos nudges nos mercados digitais. Essas abordagens têm ganhado destaque na formulação de políticas regulatórias, oferecendo ferramentas para influenciar o comportamento dos usuários e promover escolhas mais informadas e saudáveis. No entanto, até o momento, a integração desses conceitos nos projetos de regulação dos mercados digitais ainda é incipiente. Portanto, há uma oportunidade para explorar ainda mais o potencial da economia comportamental e dos nudges como complemento às estratégias de regulação ex ante, visando não apenas promover a concorrência, mas também proteger os interesses dos consumidores no ambiente digital.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Thaler, R. H., & Sunstein, C. R. Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness. New Haven: Yale University Press, 2008. Disponível em: https://urx1.com/0zGl4
Thaler, R. H., & Sunstein, C. R. Nudge: Como tomar melhores decisões. Editora Objetiva, 2021.
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Jones, R. Título: “Behavioral Economics and Regulatory Challenges in Digital Markets.” Revista: Regulatory Economics Review, Volume 15, Número 4, Páginas 112-128, Ano: 2021.
Disponível em: http://www.cade.gov.br/ noticias/estudo-do-dee-aborda-competição em-mercados-digitais
BRASIL. Cade. Mercados de Plataformas Digitais. 2021. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/plataformas-digitais.pdf
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[1] Thaler, R. H., & Sunstein, C. R. Nudge: Como tomar melhores decisões. Editora Objetiva, 2021.
[2] FRANK, J – U; PEITZ, M. Market Definition and market power in the plataform economy. CERRE. Centre on regulation in Europe. 2019. Disponível em: https://cerre.eu/wp- content/uploads/2020/05/report_cerre_market_definition_market_power_platform_economy. pdf
[3]PETIT, N.; TEECE, D. J. Taking Ecosystems Competition Seriously in the Digital Economy. Hearing on Competition Economics of Digital Ecosystems, OECD. 2020
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